A arte da improvisação na Dança Oriental
- Cris Aysel
- 28 de dez. de 2020
- 7 min de leitura
Muitas vezes julga-se que improvisar é fazer algo à pressa, sem ponderação e sem rigor. Na dança, não importa o estilo, a improvisação é uma técnica muito importante a ser trabalhada e, cá entre nós, tem a sua dificuldade. É certo que há pessoas que preferem improvisar e outras preferem coreografar, no entanto, penso que trabalhar afincadamente os dois registos, tornará qualquer artista mais completa/o e rica/o noseu repertório.
No meu caso pessoal, nas minhas apresentações a solo improviso a maior parte das vezes e quando não é totalmente improvisado, utilizo uma técnica que chamo de “improviso orientado”, mas já falarei sobre ela mais à frente. Ao ver o resultado final da minha dança, algumas vezes pode não me agradar e consigo identificar muitos defeitos, mas muitas outras vezes sei que de outra forma não seria tão verdadeira. Nos últimos anos tenho tentado refinar ambas as técnicas (coreografar e improvisar) para poder me defender melhor em palco. Sim, porque posso dançar há mais de 20 anos, mas o caminho é sempre longo e podemos sempre evoluir…o que sou hoje é diferente de ontem, logo a minha dança também será outra, mesmo que tenhamos sempre ali o nosso estilo ou algo que nos diferencia.

A improvisação é um mergulhar dentro de nós…do que está inscrito no nosso corpo em termos de memórias, vivências, movimentos e do que ficou marcado em nós em termos de sensações e emoções. Então, já podemos concluir que improvisar não é dançar “desleixadamente”...mesmo quando treino em casa ou no meu estúdio, quando coloco uma música e deixo-me guiar por ela, sem planos definidos. No entanto, isto não significa que não estou a empenhar-me com a minha técnica, em ouvir realmente a música e em tentar reproduzir com o meu corpo o que ouço, bem como libertar emoções que serão visíveis através de mim.
Portanto, aqui fica a minha primeira dica: quando improvisamos com uma música temos de a ouvir verdadeiramente. Já mencionei num texto anterior esta questão de ouvir mesmo a música, e aqui deixo o reforço: “abram” bem os ouvidos à música, sintam as notas, as variações, a voz, os instrumentos, enfim, tudo o que possa fazer ressonância em vocês.
" A improvisação é um mergulhar dentro de nós…do que está inscrito no nosso corpo em termos de memórias, vivências, movimentos e do que ficou marcado em nós em termos de sensações e emoções"
Depois desta primeira abordagem é importante pensar em alguns pontos e estratégias de improviso:
- Qual o estilo musical? É um clássico oriental? É um folclore? Se sim, qual? É uma moderna/pop? É uma música ocidental? Há músicas que podem ser mais difíceis de saber o estilo, no entanto ter atenção a alguns pormenores também poderá ajudar a dentificar qual poderá ser (por exemplo, os instrumentos presentes, a forma como a música funciona, os ritmos presentes, entre outros pormenores). Se conseguirmos saber qual o estilo, já nos ajudará a saber minimamente a forma de a dançarmos, pois orientará o nosso corpo. Se não conseguirmos identificar, não há problema, por vezes há músicas que deixam realmente dúvidas (se já nas músicas ocidentais há tantos géneros e sub-géneros que nem sabemos identificar, imagina em músicas que não são da nossa cultura?), mas se for um exercício de libertação do corpo, deixem-se guiar pela música e depois de o fazerem, investiguem e/ou perguntem ao vosso professor ou colegas de profissão…se conseguirem saber o estilo, voltem a improvisar com essa informação, provavelmente surgirão coisas novas. Caso estejam a escolher uma música, para que possa levar para palco, de alguma forma, tenham sempre atenção para não
escolher uma música religiosa ou algum tema que possa gerar polémica por estar a ser dançada.
- Qual o humor da música? O humor da música também ajuda a identificar o estilo, mas não só. Mostra-nos se é uma música triste, alegre, se apela ao sentimento ou se é poderosa e explosiva. Uma mesma música pode ter diversos humores (por exemplo um mejancé) e sermos permeáveis a isso fará a diferença na nossa dança, mesmo que seja a improvisar.
- Que movimentos podemos fazer com a música escolhida? Se estivermos bem abertas à música, sentiremos quais os movimentos que poderão encaixar, mesmo sem ter de pensar muito. Claro que não conseguiremos aproveitar todos os pormenores, principalmente se for a primeira vez a improvisar com essa música, mas sem pressão. Ouçam e deixem a vossa energia fluir na vossa dança. Deixo-vos um exercício que costumo fazer quando improviso algumas músicas ou quando as quero coreografar.
Em primeiro lugar, selecciono a música. Depois, dependendo do seu estilo, o seu humor ou algo que me inspira com aquela música e crio uma mensagem com ela, faço uma lista de alguns movimentos que acho que se enquadram. Tento acrescentar um ou outro movimento que ainda sinto que, apesar de o conhecer bem e o fazer, ainda não faz parte do meu “código genético” dançante, ou seja, não vão sair de forma espontânea. Depois coloco a música, deixo-me guiar por ela, mas “forço-me” a usar alguns dos movimentos escolhidos. Se não usar todos, não faz mal, não há pressão. Se ficarem alterados ou os usei de outra forma no meio da improvisação (começar de outra forma, seguir outra direcção, por exemplo), é sinal que está a deixar o seu corpo explorar o que sabe e criar também caminhos e expressões novas em si. Deixar o corpo
fluir e adicionar o que eu gostaria de usar, começamos a aumentar a nossa “linguagem”corporal. No início ficarão mais presas, mas com o tempo e prática, o corpo soltar-se-á.
Por vezes também penso no que a música me transmite e que história quero contar com ela, assim como a letra da música, caso haja. Assim, a minha lista de movimentos pode também ser acrescida com a utilização do espaço, emoções e intenções em determinadas alturas. E ao praticar uma dança, mesmo que não a tenha coreografado momento por momento, posso ter partes mais marcadas, mas toda uma sequência mental orientada para aquela música…é o meu improviso orientado. Cada vez que levar essa peça a palco irá resultar de uma forma diferente, apesar de ter um “esqueleto” que me guia, mas não me deixando presa a ele.

- A improvisação pode também ser feita com uma música que já se conhece muito bem. Quando conhecerem uma música como a palma da mão, verão como irão improvisar melhor e como, mesmo que não esteja coreografada, de tanto a dançar, há partes que começam a sair sempre da mesma forma. Mas quanto mais ouvem e exploram uma música, mais rica a vossa dança irá tornar-se, pois conseguirão soltar-se sem medo de não saberem o que vem a seguir. No entanto, aconselho sempre a não ter medo…não há certo ou errado, soltem o corpo e arrisquem. Irão descobrir coisas belas na vossa dança.
- Não pensem no que os outros estão a pensar. Há sempre o medo de não fazer bem e de que julguem a nossa dança. No entanto, em ambiente de aula, o exercício é seguro…cada pessoa está preocupada em si mesma, se olhar para alguém, é porque o olhar simplesmente passou por ali ou então muitas vezes é mais para se inspirar, pois todas nós sabemos que às vezes parece que não há nenhuma ideia no horizonte. O professor também será um facilitador e um impulsionador do exercício. Se for feito em casa, então não terão de preocupar-se com nada nem ninguém. Em público, se praticaram previamente algumas vezes, não tenham receio, deixem a vossa dança fluir e orgulhem-se do que são capazes. Em todos os casos, tentem não ser demasiado cerebrais, apesar de ser preciso algum controle, o objectivo é deixarem-se ir, com toda a técnica que já faz parte de vocês e com um grande enfoque no que pretendem
transmitir.
- Menos é mais. Esta pequena máxima é uma grande verdade em vários contextos e na dança também o é. Não é sinónimo de simplista, é sinónimo de ir com calma e tentar desfrutar do momento de improviso, para ser prazeroso. A pressão exercida em vocês mesmos, podem levar a um “overdoing”. Isto é algo com o qual luto, porque por vezes coloco o turbo e apesar de até desfrutar, já me encontrei em situações que entrei em tal modo de aceleração, que o meu corpo parece que responde antes mesmo da música…então, tento relaxar, ouvir bem a música e tento tornar a minha dança respirada…e esta tem sido uma batalha…isto e tentar não fazer o mesmo
movimento vezes sem conta. Não se sintam culpadas por repetirem movimentos, mas podemos sempre trabalhar o corpo em resposta à dança, tentarmos enriquecer a nossa actuação Por isso é que treinar muito o improviso, ajuda-nos a poder sair do “loop corporal”.
- Mapa corporal. Por vezes proponho em aulas, ou faço sozinha na minha prática, este tipo de exercício de improviso. Oriento qual parte do corpo que quero que tenha o enfoque de improvisação: braços, pernas, braços, anca, deslocamento, etc. Por vezes posso ficar por aqui, por treinar só uma parte ou várias, uma de cada vez. Outras vezes treino uma parte de cada vez e depois tento juntar uma parte à outra…e vamos criando este mapeamento corporal.
- Fazer ligações orgânicas de movimentos. No vosso treino ou nas aulas, isto já é e deve ser uma realidade. O professor vos ensina um movimento, depois vos ensina outro e quando os junta, já está ali a dar dicas de como podem tornar fluído eorgânico. Quando aprendem coreografias, acontece o mesmo, o vosso corpo vai aprendendo uma dinâmica e uma forma de ligar movimentos de forma una, sem necessitar de fazer quebras. Experimentem também treinar movimentos e depois improvisar ligando outros, de forma a tornar tudo bem fluído e que aparente ser fácil…mas nós bailarinos, sabemos que não o é…o treino é que torna tudo mais fácil.
Assim sendo, podemos dizer que improvisar é estudar muito a técnica, ouvir muito as músicas, para depois soltar-se, usando todo o material aprendido…juntamente com a criatividade e tudo aquilo que tem dentro de si! Por isso, mãos à obra!! Verá que, com a prática, sentirá prazer em dançar uma música, mesmo que não tenha coreografia para ela…e que muitas das dicas aqui, poderão ajudar também a poder coreografar melhor!
Já agora, em jeito de revisão do vosso ano dançante, tentem pensar como foram os vossos treinos: coreográficos, de improviso, do trabalho técnico, do trabalho de treino de coreografias dos vossos professores, de aprofundamento dos ritmos, da vossa frequência nas aulas ou formações, ou empenho nas mesmas, entre outros. Pensem onde acham que precisam de trabalhar mais, (perguntem ao vosso professor também), mas acima de tudo analisem o que também conseguiram fazer com muito carinho e sem se deitarem abaixo…valorizem os vosso pontos fortes e pensem como os usarem sempre a vosso favor. Mesmo num ano atípico como este, tenho a certeza que criaram ou então cresceram muito…tempo de crise também ajuda no crescimento da arte e do artista. Que 2021 seja um ano mais fácil que este que agora acaba e que possamos todos continuar com capacidade de reflexão, de partilhar uns com os outros , de
amar cada vez mais a dança e a nós mesmos. Portanto, mãos à obra para que no próximo ano a vossa/nossa dança seja mais especial!!
Boas Danças <3
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