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Ser único na Dança...

  • Foto do escritor: Cris Aysel
    Cris Aysel
  • 5 de mar. de 2021
  • 7 min de leitura

Hoje em dia é possível encontrar frases inspiracionais em todo o lado e em qualquer área. Muitas são verdadeiras, no entanto, na prática, sentimos pouco o que lemos...ou antes, sentimos, mas gostaríamos de ser realmente capazes de concretizar.


“Acredite em si”, “Ame-se em primeiro lugar”, “Aceite-se como é”, “Seja única”. São exemplos de expressões que têm muita importância e apesar de parecer senso comum, se conseguíssemos fazer isto tudo estaríamos mais realizados, mais felizes e menos ansiosos e deprimidos.


Tendo em conta a complexidade da origem das nossas inseguranças e outras tantas questões emocionais que nos acompanham e que por vezes nos impedem de ver e viver a vida sob outro prisma, não poderei abordar de forma aprofundada essa origem (apesar de ser psicóloga), pois o meu objectivo não é esse. Para além disso, não tenho a pretensão de dar soluções, pois cada caso é um caso, e não existem fórmulas mágicas, no entanto, abordarei alguns pontos que podemos reflectir e fazermos algo por nós, para que a nossa vida na dança mais prazerosa e, por consequência, as outras áreas da nossa vida também.



Cris Aysel- fotografia Hélio Silver

Partilharei um pouco da minha vivência enquanto pessoa, bailarina e professora de forma breve, para não perder-me na minha história e falhar o objectivo que pretendo atingir com o que partilho aqui com vocês. Quem me conhece relativamente bem, sabe que não sou a pessoa mais segura do mundo e que posso sempre pôr em causa algo que fiz, pensei ou disse. No entanto as minhas paixões movem-me e tenho um lado amoroso em relação ao mundo que me permite continuar a acreditar que vale a pena seguir em frente. Às vezes consigo agir bem, outras vezes não, e sou capaz de remoer erros, falhas e omissões até à exaustão. Ser artista e viver com este lado em mim, por vezes, consegue ser duro. Treinamos horas sem fim, para atingir a perfeição, que, como nunca é atingida, continuamos a trabalhar para ser a melhor versão possível. Saber que errei de alguma forma, que não treinei o suficiente, que não foi possível fazer melhor... custa. Tal como eu, sei que muitas pessoas sentem o mesmo e a culpa atinge-nos de forma certeira e faz-nos ter a certeza de que infelizmente não somos tão bons como gostaríamos. Tenho trabalhado este lado em mim e sei que a dança, apesar de ser arte e exigente, principalmente quando a vivemos profissionalmente, foi o que me ajudou a não ser tão má comigo mesma em vários momentos e que passei a ser mais confiante e a sentir que me expresso muito de mim e do meu mundo através dela.


Chega então o meu primeiro ponto: amar e ter prazer no que se faz fará toda a diferença e irá ajudar a lidar com o lado menos bom. Portanto, analisem bem o que sentem e não se deixem enganar pela dificuldade. Achar que não é para vocês porque não atingiram um nível ou acharem que nunca vão conseguir, é deitar por terra todo o prazer que poderão sentir ao fazerem algo que vos faz bem à alma e também o prazer de um dia sentirem que chegaram lá* .

Portanto, permitam-se ter prazer, sem julgamentos se serão suficientemente bons. O prazer do processo levará a melhores resultados, nem que seja uma melhor aceitação do que realmente poderá ser importante para si. Tentem também dançar, sem pensar se está perfeito. Façam este exercício em casa, de só ouvir a música e deixar o corpo voar, verão como a sensação é maravilhosa. Se dançar é bom e vos completa, sigam em frente...e sempre sem comparações!


Outro ponto importante que gostaria de abordar é sobre sermos capazes de auto-elogiar. Não podemos focar só nos pontos negativos...sei que por vezes eles são os mais visíveis para nós e novamente, sei do que falo, pois sou especialista nesta questão. No entanto, não deixem de ver o lado bom da vossa dança. Às vezes, serem capazes de ver que conseguiram controlar mais os braços ou então que libertaram a tensão ao dançar já é uma bela valorização de vocês e do vosso processo. Não somos produtos acabados, iremos sempre melhorando e crescendo. Por vezes existem revezes na vida e na dança...de vez em quando recuamos, para podermos avançar. Se entrarem em desespero, deixem a cabeça acalmar um pouco e depois voltem a lembrar que são seres humanos. Mas atenção: esforcem-se para olhar para as coisas boas que têm e, quanto às coisas que podem melhorar, olhem com amor para elas e sintam que amanhã será melhor, pois se se dedicarem de coração aberto, algo acontecerá.



Cris Aysel- fotografia Ricado Simões


Para além disso, entra aqui um terceiro ponto: algumas das fraquezas, podem passar a ser uma mais valia, se usada ou vista com inteligência. No entanto, podem trabalhar e reflectir sempre para melhorar, mas o que quero dizer é que há a possibilidade de pegar em coisas em que não somos tão bons ou que não podemos fazer de determinada forma e alterar e criar algo nosso. Para quem não sabe, vivo com uma doença neurológica (Esclerose Múltipla) que, apesar de ainda conseguir fazer muito com este corpo na dança e na vida, sinto dificuldades em algumas coisas e tento colmatar isso, compensando com outra parte do corpo, ou então apostando em alguns movimentos que me são confortáveis e utilizando as minhas fraquezas junto com as minhas forças. Por exemplo, se perco o equilíbrio, compenso com a minha fluidez de tronco, que já é uma característica que tenho e gosto de usar. Outro exemplo, não posso fazer muitos giros de cabeça, faço um ou outro, mas utilizando um pouco o meu tronco, para não forçar a cervical. Há outras coisas que não faço muito bem e que não tem a ver com a doença. Para isso, trabalho para melhorar e espero que um dia possa fazer parte de mim.

Passarei assim, para o próximo tópico: não é obrigatório fazer só os passos “da moda”, fazer acrobacias ou querer que o corpo faça algo mais extremo para ser-se boa bailarina. A Dança Oriental é cheia de nuances e pormenores que já por si podem ser complexos e que podem demorar muito tempo até amadurecer em nós. Tem ainda uma beleza imensa nos seus movimentos básicos que, quando feitos com mestria deixam qualquer pessoa encantada. Com isto, não estou a dizer que não podem fazer movimentos que envolvam outras habilidades, eu própria gosto de colocar espargatas ou cambrés em algumas das minhas performances, apenas digo que se não o fizerem ou não conseguirem, pelas mais variadas razões, serão bailarinas de Dança Oriental à mesma. Muitas vezes vemos bailarinas que amamos a fazerem movimentos incríveis e que parecem impossíveis e por vezes temos de aceitar que talvez não conseguiremos fazer o mesmo, pois não temos o mesmo background dançante e de trabalho corporal. Mais uma vez, podemos trabalhar para melhorar e conseguir alguns feitos, mas não se frustrem, pois há coisas que infelizmente podemos nunca atingir, mas não há mal nenhum nisso. Muitas das bailarinas da Golden Era incluiam as suas “habilidades” na dança e criavam o seu próprio estilo e era isto que as diferenciava. Coloquei habilidade estre aspas, porque podia ser algo acrobático ou então um sorriso tão amplo e cativante enquanto faziam movimentos sinuosos que as tornavam únicas.


Portanto, conheçam-se bem enquanto pessoas e conheçam-se também através da dança e irão ver que serão mais genuínos. Esta questão é fundamental, porque muitas vezes dizemos aos nossos alunos para sorrirem, mas a verdade é que cada uma tem de descobrir o seu sorriso através das emoções transmitidas pela peça, música, etc. E que o meu sorriso muito aberto é meu, outra pessoa terá um sorriso lindo, mas sem ser igual ou tentar fazer de forma artificial. Sintam a música e o prazer de dançar e o sorriso ou a expressão desejada sairá de forma mais genuína...e claro, que poderão praticar isto, mas não é só treinar sorrisos ao espelho, para mim é antes deixar o vosso corpo invadir-se por todas as sensações passadas pela música e pelo próprio movimento. Só para concluir este ponto, a nossa dança, cheia de influências de outras danças desde que passou a ser feita em espectáculo de entretenimento e/ou palco, está em constante evolução. Continuem a ter formação, a testar, e a serem criativos, mas não reneguem a sua base. Portanto, não desprezar a base nem fechar portas à evolução, pode ser um bom lema ☺.


Para finalizar este texto, a frase “Aceite-se como é” é um dos nossos maiores desafios. Obviamente que não precisamos de ser fundamentalistas e achar que se faço algo para mudar algo em mim é porque não me aceito. Se querem mudar a cor do cabelo, vão em frente, se querem emagrecer, engordar, seja o que for, a decisão é vossa, desde que não sintam que é porque não é são suficientemente bonitos ou bons. Novamente, esta é uma questão complexa e que vai para além do exterior. Aqui, neste texto sobre dança, mas que também é sobre a nossa aceitação no geral e partilhar isto com os outros através da nossa arte, é que não sintam reservas para dançar. Amam a dança? Façam-na!! Já não têm 20 anos? Têm peso a a mais ou a menos? É homem e tem medo do que possam pensar? Poderia dar milhões de exemplos e sabemos que a sociedade por vezes pode ter um peso com padrões de beleza ou que for, no entanto, como costumo dizer: tem um corpo? Então dance!!


Façam aulas, inspirem-se em outros bailarinos, mas integrem no vosso próprio estilo. O nosso estilo também se desenvolve e às vezes também mudamos ao longo do tempo, pois os nossos gostos mudam, os nossos conhecimentos crescem e também mudamos de opinião. Aceitem isso e aceitem quem caminha ao vosso lado neste mundo dançante(e não só)...com respeito, a comunidade pode ser tão vasta, diversa e com pessoas únicas. As semelhanças e diferenças entre artistas, não os separam, apenas os complementam!! Ser único não significa que mais ninguém faz um determinado movimento ou estilo, é antes a aceitação de que o que faz e como o faz, passou a fazer parte de si!




Cris Aysel- fotografia Filipa Nunes



*Poderão ler o texto no meu blog, sobre a persistência, para poderem reflectir sobre esta questão também.



 
 
 

1 Comment


Ana Isabel Rodrigues Pereira
Ana Isabel Rodrigues Pereira
Mar 08, 2021

Tão especial esta minha professora e amiga

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